[Seja escritor] #18 - Síndrome do Escritor Recalcado

Publicar um livro é uma jornada que começa quando a ideia surge na cabeça do autor. Isso significa que praticamente qualquer pessoa que tem um livro publicado, independente do caminho, já possui um histórico de difíceis batalhas vencidas.

Quando este autor consegue fazer um relativo sucesso em um país onde a literatura nacional é pouco valorizada, o mínimo que nós, meros mortais que não atingimos tal nível ainda devemos fazer é apreciar sua jornada, mesmo que não gostemos de suas obras.

 

Há, porém, uma doença que tem se proliferado rapidamente pelo facebook e outras redes sociais, que é a Síndrome do Escritor Recalcado, que nada mais é do que uma combinação da já tradicional dor de cotovelo com a depressão do poeta-não-compreendido.

Este artigo tem o objetivo de te ajudar a identificar estas pessoas e tratá-los.

O que é esta doença?

Basicamente é um ódio profundo que abate aspirantes a escritor, que passam a acreditar que falar mal de seus semelhantes é uma forma de demonstrar ou elevar o seu valor literário.

Há dois tipos mais comuns:

O cricrítico: são aqueles que tiveram pouca ou nenhuma contribuição para literatura e não são estudiosos do assunto. Geralmente ainda estão escrevendo o seu primeiro livro.

Estas pessoas comumente acreditam que, com exceção de sua futura obra, todos os outros livros são ruins. Este é incapaz de ver coisas boas em qualquer autor que seja. Somente os grandes escritores já mortos são apreciados, afinal, é feio falar dos mortos.

O incompreendido: são aqueles que já publicaram uma obra que não obteve sucesso, mas acreditam que as causas principais disso são: 1) o leitor, que não é bom o suficiente para entendê-lo, e 2) a editora, que não lhe fez o devido investimento. Estas pessoas são aquelas que consideram a variedade de palavras usadas na obra como fator crítico na escala de apreciação. Também acreditam que uma linguagem simples, humor, objetividade, uma trama que se desenrole de maneira veloz e que seja atrativa são sinônimos de literatura ruim.

Há, entretanto, um ponto em comum: ambos se consideram gênios ainda não descobertos.

Onde são encontrados?

Estas pessoas são comumente encontradas em páginas e grupos do facebook, com comentários extensos e cheios de um veneno desnecessário. Também é possível encontrá-los nos comentários de blogs e nos grandes portais de notícia como Folha ou Globo.com, sempre falando sobre literatura.

Como reconhecer?

Os escritores que sofrem desta síndrome são facilmente reconhecidos através de algumas das seguintes atitudes:

Quando encontram textos ou comentários citando autores contemporâneos de sucesso:

1. Serão os primeiros a proclamar palavras de ódio contra Paulo Coelho, mesmo sem nunca ter lido um livro sequer do autor. Falarão o mesmo de Talitha Rebouças, J.K. Rowling, Suzanne Collins, Eduardo Spohr, André Vianco e outros autores que vendem centenas de milhares de livros.

Um ponto importante: A principal diferença do Escritor Recalcado para um simples leitor que não gostou da obra é simples: o recalcado não leu o livro! Mesmo sem conhecimento da obra, ele afirma veementemente que não entende como tal 'lixo' (como gostam de falar) pode vender tanto.

2. Em seguida, vão citar um grupo de autores que são unamidade. "Pare de ler isso e vá ler Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa... estes sim são autores de verdade". Geralmente, em seu comentário, você jamais identificará o nome de algum autor contemporâneo.

 

3. Procuram desculpas para o sucesso alheio: "É fácil fazer sucesso escrevendo uma distopia infantojuvenil". "Com ajuda da grande mídia manipuladora, qualquer livro ruim faz sucesso". E sempre vai ter algum risinho no início, meio o fim do texto, como forma de deboche.

4. Por fim, vão ressaltar a sua 'coragem' e 'senso crítico' de falar mal de autores de sucesso, dizer que todos que gostam da obra são 'manipulados' e terminar com alguma crítica padronizada ao Brasil ou ao governo.

Quando encontram obras de autores iniciantes:

1. Vão usar críticas contraditórias: "Este final é clichê e inesperado, por isso é ruim.". Após isso, vão esquecer de comentar a obra e começar atacar o autor, dizendo-lhe que falta talento. Além disso, qualquer erro de digitação vai render umas três linhas de insultos.

2. Em geral comentam como anônimos e não publicam nada próprio na internet. Os que publicam, não as divulgam, pois seu trabalho é bom demais para ser lido por gente comum.

3. As críticas não terão o objetivo de fazer o autor identificar algum ponto de melhoria, mas sim de fazê-lo desistir. Você consegue facilmente identificar a diferença entre os dois.

4. E finalmente vão fazer tudo isso tentando usar uma linguagem desnecessária e excessivamente rebuscada, como forma de demonstrar o quanto são melhores. Farão insultos usando palavras comuns no período imperial, e ficarão loucos para saber se alguém será ser capaz de decifrá-lo.

Como não pegar a síndrome do escritor recalcado:

1. NUNCA fale do que você não leu ou conhece.

2. Considere que se uma obra faz sucesso ela deve ter ao menos um elemento atrativo. O fato de você não se sentir atraído por aquela leitura, não torna todos os que se sentiram atraídos por ela burros ou alienados.

3. Aprenda a dar feedbacks. http://exame.abril.com.br/pme/dicas-de-especialista/noticias/7-dicas-para-feedbacks-produtivos

4. Aprenda que existem diferentes gêneros para diferentes públicos e considere isso na hora de emitir a sua crítica. Não é por que você não gostou que a obra não é boa, entendeu? Saiba reconhecer esta diferença.

5. Adeque a sua linguagem ao público. Bons escritores não são aqueles que sempre tem um sinônimo obsoleto na manga, mas os que conseguem, através das palavras escritas, passar corretamente a mensagem ao público a qual ela se destina.

6. Não está fácil para você, não está fácil para mim e não está fácil para ninguém. Esta não é a mais segura, rápida e estável das profissões, então, no mínimo, seja gentil com quem também está tentando e com quem conseguiu também. Contribua para o crescimento alheio fazendo críticas construtivas.

7. Por fim, não seja azedo. Para quê tanto ódio no coração?

Identifiquei um recalcado. O que fazer?

O tratamento é difícil, afinal, a primeira etapa é assumir que existe um problema. Fazê-lo dizer em voz alta "eu sou um recalcado" pode não ser a mais fácil das tarefas, então, o melhor é ir direto ao ponto e fazê-lo refletir. Envie este post à pessoa, para que ela possa ler e identificar-se com os pontos. Será o primeiro passo para pensar duas vezes antes de sair pingando veneno nos trabalhos e carreiras alheios.

O Escritor Recalcado não aceita a possibilidade de outros fazerem mais sucesso que ele e, ao invés de produzirem obras de qualidade que vão provar isso, preferem usar os comentários maldosos do facebook para promover sua incrível habilidade.

Importante lembrar: Nem toda crítica e comentário negativo é recalque. A diferença básica é que o recalcado tenta supervalorizar-se desvalorizando o outro, enquanto o simples mortal que não gostou da obra vai dizer por quê não gostou e pronto, sem ataques ao autor ou aos 'meios' pelo qual o sucesso foi obtido.

E você, já viu algum destes por aí? Conhece alguém que sempre tem coisas ruins a falar sobre seus semelhantes? Identifica outros sintomas desta doença?

Deixe aqui nos comentários e nos ajude a diagnosticar mais e mais pessoas e lutar por um ambiente mais saudável nas rodas virtuais de discussão literária.