[Pecados e Tragédias] #10 - Espelho, espelho meu (parte 1)





Atenção: Os contos da série "Pecados e Tragédias" são ficcionais, assim como seus personagens. Qualquer semelhança com situações ou pessoas reais é mera coincidência.

EPISÓDIO 10 - ESPELHO, ESPELHO MEU

Bem ou mal, as interações que temos na escola quase sempre acabam moldando quem seremos no futuro.
Pelo menos foi assim com Jota. Até os seus doze anos ele era gordinho, daqueles que tem dobrinhas e tudo, e que são constantemente confundidos com o boneco da Michelin. E por aí cabiam os mais diversos apelidos que o deixaram verdadeiramente traumatizados.
Aos treze ele adquiriu hepatite e, somado à adolescência que logo viria, ele acabou perdendo quase 50% do seu peso. Ficou tão magro que dava para ver os ossos. Nos anos seguintes ele se tornaria o saco de ossos, caveira ambulante, o-vento-levou, macarrão, limpador de mangueira, louva-deus, tripa seca, quase nada, seu madruga, palito de dente, espeto de churrasco, pau de sushi, filé de borboleta e muitos outros, afinal, a capacidade criativa das crianças ainda é algo que impressiona.
No final das contas, sendo gordo demais ou magro demais, ele nunca esteve cem por cento satisfeito com o seu corpo e isso mexia com sua cabeça.
Jota decidiu, no fim do colegial, que sua missão de vida era ajudar crianças de todo o país a se sentirem satisfeitas com o seu corpo. E, por isso, resolveu prestar Educação Física e finalmente, entrou para uma academia.
Era a hora de mudar de vida.

Parecia inofensivo, mas o dominou


O tempo passava e os resultados apareciam.
Aos poucos ele foi se tornando uma das mais conhecidas figuras daquela academia que frequentava, sempre de bom humor, fez muitas amizades e, de repente, já era a referência naquilo que fazia.
Meia hora por dia eram gastos somente se olhando no espelho, tal a admiração que começou a sentir por si.
- Olha como eu estou forte – Falava para qualquer um que o conhecera durante a infância. Então, flexionava os braços e fazia seu bíceps crescer e crescer.
- Impressionante – Comentavam as pessoas, sem muito interesse.
Jota se tornou absolutamente obcecado pelos seus braços. Fazia várias poses simplesmente para observar como cada um dos músculos se mexia e ganhava destaque sob sua pele.
Ainda preservava o seu sonho adolescente. Com os olhos brilhando, enquanto encarava seu reflexo, ele dizia: quero que ninguém mais tenha medo de se olhar no espelho.
Era um propósito que todos achavam lindo, mas poucos acreditavam realmente que ele conseguiria. E um dos motivos pelo qual achavam isso era: Jota só tinha tempo para se dedicar a si.
As horas vinham e iam como se fossem minutos e, quando percebeu, já nem se lembrava mais a quanto tempo estava ali. Ele corria, treinava, corria de novo, conversava com as pessoas, ajudava os outros que estavam por ali e, quando ia embora, tudo o que queria era voltar.
Demorou muito tempo até que assumisse: ele estava viciado. 


Disponível somente a partir de 15/10/2013 - Quarta-feira - às 16 horas

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