[Pecados e Tragédias] #9 - Filhinha do papai (parte 1)


PECADOS E TRAGEDIAS

Atenção: Os contos da série "Pecados e Tragédias" são ficcionais, assim como seus personagens. Qualquer semelhança com situações ou pessoas reais é mera coincidência.

EPISÓDIO 9 -FILHINHA DO PAPAI


Ieda e Emília eram amigas desde que se entendem por gente. Não conseguem se lembrar de um único momento na vida em que não tenham compartilhado. Isso garantiu a elas uma sinergia simplesmente invejável.
Da janela do quarto de Ieda era possível ver a janela do quarto de Emília e, apesar de quase nunca estarem separadas, instalaram um moderno sistema de comunicação com fios e copos, semelhante ao dos desenhos animados. Isso, é claro, só serviu durante o tempo em que não tinham celulares. Queriam, na verdade, uma forma de ir para o quarto uma da outra sem ter que sair pela porta, mas era engenharia demais para a pequena cabecinha de crianças de nove anos.
- Seremos amigas pra sempre né? – Perguntava Emília, que sempre foi a mais boba de todas.
Ieda, firme e segura respondia:
- É claro! Promessa do dedinho!
E enroscavam seus mindinhos antes de começarem a rir daquilo tudo.
Neste ambiente, elas viveram praticamente a infância e adolescência inteira, compartilhando cada momento, cada namorado ‘malvado’, cada primeira experiência, cada mudança comportamental e cada experiência que a fase permitisse.
Claro que tudo isso só aconteceu graças aos pais, que também eram amigos de infância e não podiam deixar de colocar as filhinhas para brincarem juntas. No final das contas, acabaram todos virando uma grande família.
Por algum motivo, não tão difícil de deduzir assim, Seu Carlos colocava altas expectativas na caçula Ieda, e se orgulhava de cada conquista que a menina acumulasse:
- Ela é uma princesinha – Dizia para quem quisesse ouvir – uma superestrela que vai brilhar cada vez mais forte daqui para frente.
O pai não economizava elogios e seguia dizendo o quanto ela era a filha perfeita: linda, bonita, inteligente, divertida e dentro daquilo que era considerado aceitável em qualquer família moderna.
Imaginem sua felicidade quando ela passou, junto com a amiga, no vestibular para Medicina.

Descoberta
A faculdade, entretanto, ensinou muito mais do que habilidades médicas às duas meninas. Apesar das promessas que faziam na infância, as duas sempre acharam que quando crescessem essa amizade seria diferente.
Bom, de fato, não estavam erradas. A questão era que batia nelas de repente uma vontade louca de se ver, e quanto mais se encontravam, mais essa vontade crescia. Logo vieram alguns outros sentimentos mais difíceis de explicar como ciúmes, ansiedade pelas respostas da outra e uma sensação de felicidade intensa que só o cheiro, a voz e o toque, somados, era capaz de proporcionar.
A primeira vez que se beijaram foi de brincadeira. Riram até, por que não foi tão estranho quanto acharam que poderia ser. O objetivo era decidir se amiga beijava bem ou não, para não fazer feio para os futuros médicos bonitinhos.
A vez seguinte teve um tom mais carinhoso, de quem quer acalmar. Daqueles que apaga qualquer tristeza, principalmente as geradas por brigas familiares. Um beijo que dizia “eu estou aqui”. A partir daí, perceberam que não conseguiriam parar mais.
Em uma dessas vezes, Emília empurrou Ieda de leve, para desgruda-la de sua boca:
- O que estamos fazendo? – Perguntou a menina, que sempre foi a mais confusa de todas.
Ieda fez cara de eu-não-sei e baixou os olhos. Pensou em seu namorado e então pensou em seu pai. Depois pensou em si mesma, e por fim pensou na amiga.
O que fazer?
A possibilidade de estarem confundindo as coisas obviamente lhes passou pela cabeça, mas não foi preciso muito para descobrir que não era este o caso. Demorou um ano de encontros escondidos até que pudessem entender de fato:
Aquilo era um exemplar genuíno do mais belo e puro amor que existe nessa face dessa terra.

Disponível somente a partir de 09/10/2013 - Quarta-feira - às 16 horas

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