[Pecados e Tragédias] #8 - O bom menino (parte 1)

Pecados e Tragédias

Atenção: Os contos da série "Pecados e Tragédias" são ficcionais, assim como seus personagens. Qualquer semelhança com situações ou pessoas reais é mera coincidência.


EPISÓDIO 8 - O BOM MENINO

Pense em um menino bom. Agora eleve ao quadrado e você chegará a Hector.
Desde criança todos viam o anjo que ele era. Na escola, super comportado, sempre fazia todos os deveres de casa de maneira impecável e entregava na data prevista. Não colava e nem passava cola, porque, segundo ele, “isso é errado”.
Raramente discutia com os professores e recebia, de todos os mais velhos, elogios constantes por sua inabalável capacidade de andar na linha.
- Um menino de ouro – Era o que mais se ouvia.
É claro que, em um mundo onde ser bom é ruim, ele era julgado por isso:
- Ih, olha só, ele vai à aula todos os dias. É um mané mesmo!
Hector se recusava a acompanhar as outras crianças nas fugas matinais para beber, fumar, jogar e beijar na boca. Contribuía também o fato de ele ser tímido demais para se sentir confortável nessas atividades, mas, ele seguia acreditando que isso era irrelevante.
Aos dezessete anos arranjou sua primeira namorada. Como conseguiu isso, se mal conseguia conversar com outras pessoas, até hoje permanece um mistério. Fato era que ele a tratava como uma rainha.
Ela, obviamente, no início achou fofo. Depois enjoou. E então o traiu.
Hector ficou arrasado, mas a perdoou, afinal, meninas são inconsequentes e bobas mesmo. Então ela o traiu de novo. E ele a perdoou mais uma vez. Aí ela ficou com pena e fez o trabalho que ele jamais teria coragem de fazer: terminar o namoro.
O menino, a partir de então nunca mais se envolveu com esse negócio complicado que são as mulheres.
O tempo passou, Hector entrou para a faculdade, mas seguia tímido como uma rocha. Entrava mudo e saía calado da maioria das aulas e só conseguiu fazer um amigo, que era igualmente tímido. Apesar de não trocarem uma única palavra, eles se entendiam muito bem.
Além da timidez, sua santidade também permaneceu inalterada. Atravessava na faixa quando estava a pé e nunca excedia a velocidade permitida quando estava de carro. No tempo livre, fazia trabalho voluntário para ajudar os mendigos e recolher animais abandonados das ruas.
Ele era um bom menino.

A mais linda

Até que viu algo que fez seu coração parar. Seu nome era Joana, a menina mais linda que ele já viu em toda a face da terra. Ta certo: ela nem era tão bonita assim, mas ele a achava a nova miss Brasil.
Passou com seus cabelos esvoaçantes e lábios carnudos cobertos com um brilho cor de rosa que mexiam com ele sem dó e muito menos piedade. Usava uma minissaia que revelava grossas pernas de enlouquecer qualquer pessoa. Os bons, então, nem se fale.
- Ela é linda – Comentou para o amigo.
- Você deveria falar com ela – Respondeu o amigo, oito meses depois.
Durante todo esse tempo entre seu comentário e a resposta do amigo, ele guardou consigo uma paixão velada pela menina-nem-tão-linda-assim Joana. Neste tempo, ela ficou com várias pessoas, namorou, terminou, chorou, namorou de novo, terminou de novo, chorou de novo, ficou com várias pessoas de novo e seguia vivendo sua vida sem nem tomar conhecimento da existência daquele bom menino.
O incentivo do amigo, entretanto, funcionou e Hector resolveu tomar coragem. Quando ela estava sozinha, se aproximou tremendo para perguntar:
- Quer ir tomar uma cerveja comigo depois da aula?
Joana se surpreendeu e pensou em questionar quem era ele e se era louco, mas ficou com pena, pois o menino tremia e não conseguia olhá-la nos olhos. Então com um sorriso simpático, respondeu em tom de brincadeira:
- Você paga?
O sorriso de Hector era tão largo que quase fazia a volta em sua cabeça. Disse ‘É claro’ e saiu correndo para, em um frenético diálogo sem palavras, contar a novidade o amigo.
E assim foi: foram para o bar, beberam um pouco - Hector ficou no suco de laranja com acerola, é claro. Eles conversaram (ela falou e ele ouviu, na verdade) e aos poucos o bom menino se soltava.
Repetiram o encontro no dia seguinte, e depois, e depois. Em todas as ocasiões, entretanto, nunca tinha coragem de revelar seu amor por ela.
- Você é meu melhor amigo – Dizia ela aos prantos, depois de horas de desabafo quando terminou com mais um namorado.
Pesquisou na internet e descobriu que isso se chamava ‘Zona da Amizade’.

Disponível somente a partir de 02/10/2013 - Quarta-feira - às 16 horas



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