[Seja escritor] #8 - 10 clichês para se evitar

Semana passada eu fiz um post falando sobre 15 coisas para se ter em mente se quiser ser escritor  e um destes pontos era o de evitar clichês.
Comecei então a pesquisar sobre o assunto e me deparei com o seguinte artigo: Top 10 Storytelling Cliches Writers Need To Stop Using, publicado pelo editor Rob W. Hart no site especializado em auxiliar novos escritores, o litreactor.
Na mesma hora entrei em contato com eles para trazer suas ideias para o Brasil e a resposta foi positiva. Não fiz uma tradução completa, mas uma adaptação: peguei os tópicos e adicionei o que achava necessário.
O mais bacana é que ele focou em clichês em originais que ele recebia (não necessariamente em livros publicados). Então é uma forte dica pra você que está escrevendo seu livro agora.
O texto começa explicando que nós, enquanto escritores, somos treinados para evitar o clichê nas frases, porém, eles aparecem nas entrelinhas das técnicas de storytelling. Será que você já percebeu alguns deles?

1. Personagens se descrevendo na frente do espelho

“Antes de sair, olhei para o espelho e uma mulher no auge de seus 30 anos me olhou de volta. Seus cabelos cacheados desciam cuidadosamente sobre os ombros, combinando perfeitamente com os olhos castanhos que piscavam com curiosidade”.

É muito fácil explicar este clichê: descrever um personagem quando você está escrevendo em terceira pessoa, ou quando a voz do narrador é onisciente, é tranquilo como um grilo. Mas fazer isso em primeira pessoa é um pouco mais desafiador: como você vai explicar como o personagem aparenta ser sem parecer tolo ou auto-obsessivo?

O problema é que usar espelhos é uma alternativa fácil demais e até um pouco inverossímil: Quantos de nós para, na frente de um espelho, e fica pensando: Hum, meu cabelo é cacheado e cai delicadamente sobre os ombros. Eles combinam perfeitamente com meus olhos.

A dica para fugir disso é: vá direto ao ponto. Se o traço decisivo do personagem é uma deformidade ou o seu cabelo, existem formas de trabalhar isso durante a narrativa. Para o resto, você pode confiar na capacidade imaginativa do leitor.

2. Anunciar uma futura reviravolta na história

“Com esforço, ele conseguiu capturar o seu maior inimigo e finalmente prendê-lo. O sentimento de triunfo era inevitável. Se ele soubesse, porém, que o vilão fugiria já no próximo mês, talvez não ficasse tão feliz.”

Uma coisa dessas levanta um único questionamento: “Por que diabos você me deu esse spoiler? Me deixe ser surpreendido, afinal este é ou não é um livro de suspense?"

Isso acontece com muita frequência para tentar atrair a atenção do leitor para os próximos passos de alguns personagens que pareceram completar o seu ciclo na história, mas acabam deixando o livro mais previsível, perdendo todo o sentimento de surpresa que se poderia gerar.


3. Justificar um comportamento ruim de personagens com pais malvados

“Não hesitei em socar cada parte do corpo daquela mulher, assim como meu pai fazia comigo. Sintia-me, de alguma forma, livre de culpa pois, sabia que foram os seus abusos que me tornaram quem eu sou. Se a mulher agonizava agora em meus braços, era por causa de meu pai, que me transformara neste monstro”.

O fato é que quase todo personagem ‘babaca’ ou ‘mal’ teve uma infância conturbada. Pais que bebem, pais ausentes, pais que batem nos filhos, pais assassinos, bandidos e até pais que mimam demais os filhos.

Algumas vezes, isso pode dar uma história profunda e o comportamento dos pais podem realmente ser algo inovador e inesperado, porém, não é o que acontece na maioria dos livros.

E sabe o que seria realmente impressionante: uma pessoa viver em uma família absolutamente normal e, ainda assim, se tornar mal.


4. Excesso de piadas internas e referências

“O chão daquele lugar estava tão sujo quanto o tapete do Centro Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e as pessoas agiam de forma tão estranha que me senti no sétimo episódio da segunda temporada de Two Broke Girls”.

Nem precisa falar mais nada, não é? Escrever para os seus amigos, ou para o seu próprio ego, é com certeza uma forma de alienar o leitor.

Ninguém precisa saber que você sabe de cor o que aconteceu em todos os episódios da sua série favorita, nem que você conhece detalhes dos lugares que a maioria desconhece. Isso não ajuda na descrição e só fazem o leitor franzir a testa.

5. O escolhido

“Então era verdade: ninguém além de mim poderia salvar o mundo da grande depressão. Aquela descoberta me assustava, com certeza, mas eu sabia que não era o momento de fraquejar. Eles contavam comigo.”

Personagens podem ser especiais sem serem tocados pela mão do destino. E de qualquer forma, se o seu personagem é a única pessoa que pode resolver o problema, isso faz dele o herói? Ele não tem escolha a não ser o heroísmo, e isso não é de fato heroísmo, compreende?

Muito raramente este elemento é usado bem e é incrível quantos “escolhidos” existem por aí.

6. Relógio de contagem regressiva

“O relógio entrou nos últimos dez segundos e ainda não tínhamos uma decisão tomada. Cada tique e cada taque fazia nosso coração bater mais rápido. Era agora ou nunca. Mais cinco segundos e tudo iria pelos ares. Minhas mãos tremeram quando me encaminhei para o fio azul, escolhendo-o a esmo, dentre todos que ali existiam.”

Relógios em contagem regressiva é a forma mais fácil de se criar uma tensão do tipo “agora ou nunca”.“se não fizer X até a hora Y, tal coisa vai acontecer”.
Fácil o suficiente para ser usado repetidas vezes. Existem as variações que não necessariamente incluem relógios e que tornam o elemento ainda mais popular:

A dica é usar o inesperado, que as vezes criam tensões igualmente válidas e que podem parecer muito mais originais. Não anuncie que vai arrancar uma orelha do refém, simplesmente arranque e diga que a qualquer momento pode ser um dedo. Há tensão maior que não saber o que esperar?

7. Mensagens passadas através de sonho

"A menina andava à minha frente e, quanto mais a seguia, mais ela se distanciava. Até que, de súbito, ela parou e se virou para mim. Estendeu a mão e pude ver a pedra azul que ela me entregava. De repente, a menina não estava mais ali. A pedra também havia desaparecido e precisei de alguns segundos para perceber que toda a floresta também se fora.
Observei o teto de meu quarto entrar em foco e levantei-me, completamente suado. Era um sonho, mas meu coração ainda batia forte: agora sim tudo fazia sentido."

A primeira coisa é: quem aí já acordou espantado por que teve um sonho que revelou o segredo de toda a sua vida? Isso é muito “coisa de livros/filmes/novelas”, o que pode prejudicar a qualidade da história. E por incrível que pareça, acontece com bastante frequência. Fica muito óbvio para o leitor que aquilo só aconteceu pra pegar um atalho na trama e ele não precisar descobrir tudo de alguma outra forma (talvez mais demorada e cansativa ou inteligente).

8. Usar sexo como realização de desejos pessoais

“De repente, ele se viu diante daquela mulher morta nua e tocou seu corpo frio. Um súbito desejo necrófilo tomou conta de seu corpo e ele sentiu que não seria capaz de resistir. Talvez não quisesse resistir. Tirou sua roupa.”

Outro que é fácil dizer por que acontece com tanta frequência: sexo é bom, especialmente se o narrador for um avatar para o autor.

Acontece que passar dez páginas narrando um sexo que em nada acrescentam na história somente por que satisfazem quem escreve é totalmente “alienador”.

Coisas assim costumavam acontecer muito nos filmes brasileiros lançados até o fim dos anos 90. Absolutamente todo filme tinha uma cena de sexo totalmente descartável.

Realize suas fantasias você mesmo e deixe seus personagens fora disso. Até por que é meio creepy.

9. Estereótipos batidos

“Era um homem alto e negro e assustador. 100 quilos de puro músculo e uma cara fechada que só me fazia querer correr a toda para o outro lado. Porém, naquele momento, se mostrou gentil e possuidor de uma incrível bondade e sabedoria”.
O índio ligado a espíritos da natureza, o velho sábio, o negro assustador que depois se revela muito
bondoso, o mestre que morre antes da batalha final e outros estereótipos não são mais novidade.
Aliás, eles são estereótipos justamente por terem sido citados centenas de milhares de vezes.
Muito cuidado com eles.

10. Desmaiar um personagem só por conveniência

“Estávamos escondidos observando tudo o que se passava ali dentro. Coração acelerado com a possibilidade de alguém nos encontrar. Ouvi um barulho atrás de mim e me virei rapidamente: dois homens altos estavam de braços cruzados e olhando diretamente para nós. Senti minha visão fraquejar e meu corpo cair no chão. Não vi mais nada. Acordei algumas horas depois, em um lugar onde nunca estive antes”.

As vezes você tem que mudar seu personagem de lugar com um gesto dramático. E o que é mais dramático que desmaiar um personagem e levá-lo a um lugar desconhecido sem ter que lidar com as partes “chatas”, como dirigir ou se locomover de alguma forma?

Desmaios ocorrem por conta de falta de oxigenação no cérebro. Emoções fortes podem gerar desmaios e estão ligadas a várias coisas: arritmia cardíaca, queda de pressão, hipoglicemia, síncope vaso-vagal e alcalose respiratória. Veja detalhes sobre tudo isso neste artigo do site Viva Saúde

E tem também as pancadas na cabeça. Porém, elas só geram desmaios se forem muito fortes e, caso aconteça, você deve levar seu personagem ao hospital com urgência ou ele morrerá.

Os desmaios tem sido muito banalizados nos livros e na maioria das vezes fica bem na cara que só aconteceu para dar aquele empurrãozinho na velocidade da trama.

Agora é sua vez!

Estes foram os 10 clichês que o Rob W. Hart consideram perigosos e ruins. Quais são os seus?
Deixe nos comentários abaixo os clichês que você já está cansado de ver!

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